quinta-feira, 13 de setembro de 2007

O Acordo sob Experimentos para o "Experimento do Acordo"

Carta da Thaís para o público


(Thaís pisa em ovos Thaís cai em ovos)
“Relatório sobre a queda do Ovo. A Queda do Vôo do Ovo. A língua morta da história. A língua de Vidro. Os Cascos da casca do Vôo de um Ovo.
Ou
Acho que tinha alguma relação com a Queda“.
Pode começar na terceira pessoa, assim: Era uma vez, uma menina que pulava muito. Ela gostava de pular, ela. Um dia ela caiu e bateu a cabeça. Cortou-se com os cacos de vidro de sua mamadeira. Suas imagens fragmentos de uma Queda: um chão de ladrilhos verdes, pessoas à sua volta. Espera, espera, essa não é a mesma menina que tinha como sua melhor amiga sua própria imagem refletida na máquina de lavar louça e que tentou se matar tomando detergente com café? não é a mesma menina que ao tentar ajudar sua irmã com o corte dos cabelos cortou sua orelha junto? Não é a mesma menina que bateu com a cabeça na banheira e levou cinco pontos?
Que menina? Não sei.
“Alguém ajuda a menina!?”
A Menina!? A Me Ni Na!?
vejamos, talvez ela seja melhor na primeira pessoa
Então abri os olhos no chão duro e aconchegante e comecei a sentir dores, examinei-me e vi que os meus braços, as minhas mãos, estavam cheias de pequenos cacos de vidro, o pescoço e a cabeça estariam nas mesmas condições porque a sensação de dor e ardor de DOR e ARDOR também se estendia por essas partes. Lembrei-me das línguas de vidro, as línguas de vidro mortas que não são mortas, são matadas, e arrependi-me de não ter tomado precauções.
Por favor, meu senhor, uma pinça! (loooooooooooooooongo silêncio).
Olhe, é para tirar esses pequenos cacos de vidro, eles me incomodam muito, olhe, olhe!
Ingenuidade de aço,
Mostrando o que é possível
Tento acompanhá-los, mas meus pés de carne não têm equilíbrio, escorrego várias vezes, levanto-me, sempre perguntando: vocês se lembram? Agora consegui manter-me em pé, caminho vagarosamente, abro os braços como se estivesse afastando uma multidão e somente assim consigo equilibrar-me. Cada passo é feito de suor, os dedos dos pés se encolhem tentando agarrar o chão mas de repente caio com incrível estrondo. Eles movimentam as grandes cabeças peludas. Os empregados trazem o microfone. Grito: Consultem aí os seus computadores, seus aviões, suas sentinelas eletrônicas, as suas mães também e vejam o que é possível fazer num caso de emergência.
(UM NADA SE APOSSA DO ESPAÇO)
Eu O Nível do Solo
Suficientemente Imóveis
Imóveis
Levanto-me suando em bicas, as claras do ovo escorrendo assim como minhas articulações tentam escorrer, sento-me, escondo os meus pés, insustentável, instável, a minha roupa está inteiramente molhada, a clara escorre pelos joelhos, encharca os sapatosbota, eu ajeito meus cabelos, tento sorrir. Alguma substancia ainda resta. Faço um gesto tímido – a mão esquerda quase junto ao ouvido – sabe, estou tentado dizer alô!
SHIUUU!
“OS filhotes dos coelhos ao nascerem são pelados e cegos. Os filhotes das lebres ao nascerem são peludos e aptos a cuidar de si mesmos. Este fato aparentemente estranho tem embasamento: os coelhos têm seus ninhos nas tocas profundas e as lebres têm seus ninhos na superfície exposta do solo. Sejamos lebres e portanto astutos. Das profundezas só nos interessa o nosso amado produto.
E você? Eu? Era como se não estivesse mais ali. era uma lebre morta. Mas não a lebre astuta. A lebre coelho que nasce do buraco profundo. A lebre-coelho morta que escuta histórias de uma avó adormecida. Um segredo talvez.
Você já ouviu o barulho de uma bomba de cobalto?
Entoem o Tatotalmente Irreconhecível!
“Durante mil anos, tudo caiu de cima para baixo, com exceção dos pássaros”. Você já ouviu o barulho de uma bomba de cobalto?
Agora Parou
Alguém Diz: -“a sarna de coelhos é uma afecção da pele causada por parasitas acarianos da família sarcoptide. É uma enfermidade contagiosa e os coelhos que apresentam a sarna em estado muito avançado devem ser sacrificados.”
O lugar emudeceu.
Desde hoje de manhã o hálito da menina está podre.
Seu corpo se decompõe. Seu rosto que nos era familiar, já se torna desconhecido. Sua voz no lugar de sempre
Sua Voz
Não sai.
Antes de tudo a desordem.
Sobre este corpo que já esfria, investigaremos se o homem costuma ajudar o homem.
Ei menina, Você não quer lutar, você quer existir sob proteção de uma memória-história, e ao mesmo tempo ficar no seu canto.
Vocêmorrerádequalquerjeito.suavidaéarrancadaseuméritoéapagado.vocêmorreráporsimesma.ninguémolharáparavocê.finalmentevocêmorreráeassimtambém.nósmorreremos
Eu não interrompi o discurso apesar de terem cuspido vidro em todas as partes do meu corpo... nesse momento senti as plantas dos meus PÉS cheias de sangue.
Olhem o que vocês me fizeram, olhem os cacos de vidro no meu corpo!
Você não está enxergando bem. Nós já lhe dissemos queridinha. É a sarna de coelho formada pelos restos dos ovos que você quebrou quando caiu.
OVO.
Ele só tinha UM.
AH, como eu desejaria ser uma só, como seria bom ser inteirissa, fazer-me entender, ter uma linguagem simples como um ovo. Um ovo é simples, a casca por fora, a gema e a clara por dentro. Mas acho que eu sou o de dentro... estou dentro do que vê.
Mas Você não Vê que um ovo é uma coisa complicadíssima? e diria a dona Clarice de olhos puxados que O ovo não tem um si-mesmo. Individualmente ele não existe.
Ah é? Então eu gostaria de falar assim: ela é uma só, mas na verdade ela é três e muito mais.
Eu... estava pensando que este relato é muito fragmentado...
Mas será que não existe um outro jeito de conseguir o que queremos?
Entregue,
tudo
o que lhe permitiu voar, tudo
o que construiu.
Abandone
Eu não voei por nada nem por ninguém voei por voar eu gosto tanto de voar eu vôo todas as noites por aí e depois fico pousada naquela árvore mais bonita da pracinha. Ninguém me espera, eu
Não vôo em sua direção,eu
Vôo para me afastar de vocês.
Eu sonho.
E o sonho torna-se angustiante porque ele já viu toda a paisagem, há montanhas, rios, árvores, diferentes espécies de animais e ele sente que tudo isso é apenas uma pequena parte de um mundo novo. E ele não quer voar mais alto, e sim que o MURO fique mais alto, ele nem pensa em ter asas porque ele agora é um Rato. Ele bateu com a cabeça na mureta e caiu planando. Mais cinco pontos. Em quem? Na menina? Olha, não entendo mais nada... é rato, é coelho-lebre, é bicho que voa e não te asas, afinal, o que é?
Escute, você sabe que os animais têm alma? E que a alma de um animal quando se desprende do corpo vai para um lugar muito bonito e fica ali durante algum tempo, conforme a afeição do seu antigo dono?
Quando ele é chamado ele nasce
quando ele é transformado ele existe. Existir é sentir dor, existir não é ficar ao sol imóvel, é morrer a cada dia, abandonar
Se é que ele existiu...
Existiu.
Ele era o que?
Uma menina pequena
Ele era o que?
Um coelho-lebre que nasceu do buraco profundo.
Ele era o que?
Um rato planador.
Ele era o que?
Não era ninguém.
Se é que ele era alguém
Não era ninguém.
E apesar de tudo não era ninguém.
Eu... estava pensando que este relato é muito fragmentado...
Antes de tudo a desordem.
Qual o desfecho?
A tua morte, a morte do companheiro seria vitória da malignidade. Não, não mate o rosto limpo do companheiro. A minha morte esta bem. A minha morte.
Sabe, uma história deve ter mil faces, é assim como se você colocasse um coiote dentro de um prisma. Um coiote? É, um lobo. Eles são tão inteligentes, eu dizia para o meu companheiro. Quem o coiote? O aviador! Ei, Você não ficaria desconfiado de todos se tivesse o coração exposto e não por dentro da caixa torácica? A qualquer momento alguém podia comer seu coração. Podia. Os coiotes podem comer meu coração. A menina então se deitou sobre a terra, respirou, respirou. Depois os coiotes se deitaram em cima dela e ficaram ali até que o corpo apodrecesse. uma menina abandonada que desejou ser amada e que enfeitou a cara do coiote. Aquele que morre abandona o que? Abandonará tudo aquilo que possui e o que não possui? Olha, olha! A morte não tem rosto, eu transpiro.
Havia certas tardes de silêncio, onde o respirar se fazia doloroso, e nós nos dávamos às mãos, vocês se lembram?”
Shiuuuuu...
São as vozes dos mortos. Eles estão dizendo: não há nada a fazer, deixa cair a chuva sobre a carne, chora, chora.
E meu coração continua exposto...
A menina diz um poema em voz baixa: se eu pudesse trocar esse meu corpo por um corpo de um coiote/ se eu pudesse ser mais voraz/ se eu pudesse ter garras como estiletes/ se eu pudesse ser de feltro/ se eu soubesse de um só caminho de sangue...shiu... Eu não quero mais ouvir, eu quero que você me abrace, depressa.



Thaís de Almeida Prado e vozes de
Bertold Brecht, Hilda Hilst, Joseph Beuys, Dedé Pacheco, Caetano Gotardo e Clarice L.
Texto escrito para "O Experimento do Acordo", parte do Mestrado de Dedé Pacheco.
13 de setembro de 2007