Olho para ela.
Uns olhos que já viveram muito mais do que eu posso imaginar.
Ela observa. Os olhos virados para a direita acima...
o vento que bate na janela e movimenta seus finos cabelos branquinhos.
Chove. o céu é cinza. mas a sala quentinha.
Ela diz sim com a cabeça e sorri.
Vão construir 5 salas.
Onde?
Não sei, foram eles que disseram.
Não vejo ninguém e nem quem disse o que.
Imagino.
Seus olhos continuam no mesmo ponto fixo.
Sim eles disseram, parece que veio dalí.
Será que é na história? Algo do passado... ela diz.
Sem saber como entender, observo a senhorinha frágil, com os cabelos curtinhos e penteados a lá 20, em sua cadeira de rodas e com sua sonda/almoço.
Ela aperta bem forte as minha mãos, tateia o meu rosto, como se tateando ela pudesse me conhecer, ou reconhecer.
Segura firme a minha blusa – Preciso que você me leve no ponto da rua Riachuelo.
Ela tem 85 anos.
O que tem no ponto da rua Riachuelo tia?
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Não sei
ela diz... porque será mesmo que eu queria ir na rua Riachuelo?
Ela ri.
Olha para mim. Seus olhinhos buscam nos meus uma explicação. Nossa cumplicidade não é racional. Não entendemos quem e o que somos naquele momento. Ela num mundo que desconheço e eu num mundo que ela não mais conhece.
À sério, à sério. Ai ai ai ai ai. E ela repete essas pequenas palavrinhas.
Ai ai ai ai ai. Quero ir pra casa.
Já está.
Quero ir pra casa.
Já está.
Onde é sua casa? Não sei. Não sei. é lá.
Já disse das salas? Sim, disse sim tia. Serão 5.
Preciso ir para o ponto da rua Riachuelo.
Quem está lá?
Não sei...
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...
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. . . .. . . . . esqueci.
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. . . . . . . . . . . . . . . . . .Porque queria ir mesmo no ponto da rua Riachuelo?
Ai ai ai ai ai. Ai ai ai ai ai.
Suas mãos continuam me apertando com uma força que não sei de onde vem. Ela me olha, me busca e sorri.
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