O outro nos olha. Estamos vivos e existimos. Existimos? O quê o outro enxerga, quando nos olha? Quem somos fora de nós? E precisaríamos ser algo mais do que verdadeiramente somos? O que está exposto aos demais não é outra coisa se não uma imagem. Nosso corpo é, sobretudo, a dimensão primeira dessa imagem. Então, imageticamente, talvez, estejamos aprisionados às sensações, interpretações e projeções sobre nossos corpos. Ao menos nesse mínimo instante de encontro. Só que as imagens físicas não servem como resumo à identidade. Corpos são, antes, possibilidades de atuarmos ao real. Mas nem sempre capazes de incluir o íntimo daquele ou daquela guardado em seus espaços. Em Threesome, Va-Bene, John e Thaís conversam sobre suas identidades e em geral e as possibilidades de apenas existirem como se querem. As conversas, em idiomas de suas culturas, portanto nem sempre compreensíveis a todos, são para elas mesmas. Pela dinâmica de como apresentam imageticamente seus corpos, suas presenças, é que o diálogo se abre ao público. Escolhem gestos aparentemente comuns, em ambientes comuns, para corpos que deveriam ser comuns. Afinal, somos quem parecemos ser ou somos quem somos? Exploram, assim, a distinção da identidade a partir de outra qualificação dos corpos, na qual o cotidiano deveria ser o único sistema considerado. De tal modo que o trabalho é um convite das e do artistas a uma experienciação de seus corpos enquanto possibilidades comuns, destituindo julgamentos e a necessidade de explicação. Olhar ao cotidiano dos corpos, ao que dele é comum, requer do observador olhar o cotidiano em si por igual em suas diferenças. E essa é a dificuldade, quando se tem por comum padrões limitadores e impositivos estabelecendo a dimensão e amplitude de seu espectro de percepção. Então o comum pode mesmo parecer pouco. Espera-se, para além dele, o surgimento do extraordinário. Indivíduos extraordinários. Corpos extraordinários. O extra além do ordinário. Um extra comum. Como se apenas ser não bastasse às expectativas que necessitam de algo mais para compor seus julgamentos e condenações. Como se a identidade pudesse ser definida , e apenas dessa maneira, a partir de lógicas binárias entre isso e aquilo. Há nisso a inversão do que seja o sujeito, no entendimento de suas particularidades, na medida em que os outros infringem uma erotização das identidades, naquilo que Paul Preciado determinou como subjetivação social e política do sexo, instituído no comum dentro de um sistema fármaco-pornográfico, em que o sujeito é submetido aos próprios vícios, dentre eles a apropriação dos corpos em contextos destituídos de identidade própria. Threesome reage organizando o cotidiano, os corpos, as peles, as identidades, os gêneros como quem sustenta apenas por ser como é o discurso de confrontamento às subjetivações que a sociedade e cultura tentam impor aos artistas. O que pode parecer simples é, principalmente, uma busca em ressignificar a própria imagem como desimportante diante a complexidade humana em seu interior. Há uma explosão em vida que não se limita a estruturas musculares, ósseas e sexuais definidas pelos vícios das linguagens. E é essa explosão que, muito gentilmente, em edição elegante e agradável, avisa ao público: cuidado: estou, estamos aqui. Cuidado, é bom explicar, em seus dois sentidos.
"They occupy. We invaded!"
The other looks at us. We are alive and we exist. Do we exist? What does the other see when they looks at us? Who are we outside of us? And would we need to be anything more than we truly are? What is exposed to others is nothing but an image. Our body is, above all, the primary dimension of this image. So, imageically, perhaps, we are trapped in the sensations, interpretations and projections on our bodies. At least in that minimum moment of encounter. However, physical images do not serve as a summary of identity. Rather, bodies are possibilities for acting in reality. But they are not always able to include the intimate of that or that kept in their spaces. In Threesome, Va-Bene, John and Thaís talk about their identities in general and the possibilities of just existing as they want. Conversations, in languages of their cultures, therefore not always comprehensible to everyone, are for themselves. It is through the dynamics of how their bodies, their presences are imaged, that dialogue opens up to the public. They choose apparently common gestures, in common environments, for bodies that should be common. After all, are we who we appear to be or are we who we are? Thus, they explore the distinction of identity based on another qualification of bodies, in which everyday life should be the only system considered. In such a way that the work is an invitation of the artists to experience their bodies as common possibilities, removing judgments and the need for explanation. Looking at the bodies' daily life, what is common to it, requires the observer to look at the daily life itself in its differences. And this is the difficulty, when limiting and imposing patterns are in common, establishing the dimension and breadth of their perception spectrum. So the ordinary may seem like little. It is expected, in addition to it, the appearance of the extraordinary. Extraordinary individuals. Extraordinary bodies. The extra beyond the ordinary. A common extra. As if just being was not enough to the expectations that need something more to compose their judgments and condemnations. As if identity could be defined, and only in this way, from binary logics between this and that. In this there is an inversion of what the subject is, in the understanding of its particularities, insofar as others violate an eroticization of identities, in what Paul Preciado determined as the social and political subjectivity of sex, instituted in the common within a porno-pharmaceutical system, in which the subject is subjected to their own vices, including the appropriation of bodies in contexts devoided of their own identity. Threesome reacts by organizing daily life, bodies, skins, identities, genres as if it sustains just because it is like the confrontation discourse to the subjectivities that society and culture try to impose on artists. What may seem simple is, above all, a search to reframe the image itself as unimportant in view of the human complexity within it. There is an explosion in life that is not limited to muscular, bone and sexual structures defined by the vices of languages. And it is this explosion that, very gently, in an elegant and pleasant edition, warns the public: beware: I am, we are here. Be careful, it's good to explain, in both senses.