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AOS 80 ANOS, HELENA IGNEZ LANÇA LONGA BASEADO NA TERCEIRA ONDA FEMINISTA
"Alegria É a Prova dos Nove" foge de estereótipos e quebra tabus sobre liberdade sexual
Por Duda Leite
Aos 80 anos, Helena Ignez é uma profissional difícil de ser definida em apenas um campo. Já foi chamada de musa do cinema marginal (rótulo que ela dispensa, que fique claro), atriz experimental, glamour girl, vanguardista, iconoclasta e a lista só cresce. Como atriz, incendiou as telas em clássicos como “O Bandido da Luz Vermelha” (1968), “A Mulher de Todos” (1969), e “Copacabana Mon Amour” (1970), todos dirigidos por seu ex-companheiro Rogério Sganzerla. Em 2019, sua filha Sinai Sganzerla dedicou a ela o documentário “A Mulher da Luz Própria”.
Além das telas, Helena também brilha nos palcos. Em 2019, foi indicada ao Prêmio Shell de Melhor Atriz por seu trabalho no espetáculo “Insônia – Titus MacBeth”, inspirado em Shakespeare. “Minha vida nunca foi caótica. Teve muitas idas e vindas inesperadas, energias estranhas, mas nunca chegou a ser caótica. Muito graças ao tai chi chuan, que é a minha segunda natureza”, conta Helena à Bazaar, via Zoom, de seu apartamento no Centro de São Paulo.
Diretora foi um título incorporado ao currículo no início dos anos 2000. Atualmente, está completando seu novo longa-metragem, “Alegria É a Prova dos Nove” – cujo título pegou emprestado da obra homônima de Oswald de Andrade. “É um filme realmente antropofágico. Começa com Oswald e vai até Sonia Guajajara”, diz a diretora. É baseado no terceiro movimento feminista, que trata do prazer da mulher. “O orgasmo feminino é uma questão de saúde pública”, narra Helena, cuja entrevista você lê a seguir:
Harper’s Bazaar – Em setembro, o diretor Jean-Luc Godard faleceu aos 91 anos. Ele foi uma grande influência na sua vida e obra. Você chegou a conhecê-lo?
Helena Ignez – Soube da morte de Godard ontem à noite, depois de dar uma entrevista à Folha de S. Paulo, sem saber que ele tinha morrido. Realmente, Godard é importantíssimo na minha vida. E tem uma coincidência incrível. Na véspera, quando ele estava morrendo, estava editando o meu novo filme com o Sergio Gagliardi, e ele me falou: “nossa, isso aqui é Godard”. Como ele, tenho paixão pelas citações. Amo as palavras. Vou terminar meu filme com uma frase fantástica dele, que é: “o que sustenta a página, é a margem”. Ele foi um grande iconoclasta.
Seu novo filme “Alegria É a Prova dos Nove” é uma homenagem a Oswald de Andrade?
É um filme antropofágico. Assim como Rogério (Sganzerla), acredito que só a antropofagia nos une. Vivi 35 anos com ele, e dividi essa admiração profunda por Oswald de Andrade. Ambos tinham o mesmo senso de humor, irreverência e profundidade. E, com a celebração dos cem anos do modernismo, achei que tinha tudo a ver. Oswald é uma luz para mim. O filme está baseado no terceiro momento feminista, que é sobre o prazer da mulher. O orgasmo como autoconhecimento. A mulher lutando pelo direito de ter seu próprio orgasmo. Gosto dos meus filmes, mas esse talvez seja o melhor deles. Faço uma sexóloga cujo nome é Jarda Ícone.
Por que acredita que falar sobre a sexualidade da mulher – ainda mais das mulheres mais velhas – causa frisson em pleno 2022?
Sim, ainda é um imenso tabu. E o filme trata justamente disso. A religiosidade, a maldade, a masturbação como coisa do diabo. Isso serve para o homem, para a mulher nem se fale. Ela é o próprio diabo se fizer isso. Isso abala profundamente a sociedade patriarcal. As mulheres entenderam sua possibilidade de ter um orgasmo, que na verdade é algo simples, não é nada tão confuso. Mas elas precisam se libertar das suas ilusões, como se casar com uma pessoa para ter satisfação sexual, a gente sabe que não é assim. Quando contei a ideia para a minha neta, ela me disse uma coisa incrível: “masturbação é saúde, não é sexo”. Quer dizer: as cabeças da nova geração já estão vindo diferentes.
Sua vida e carreira sempre foram guiadas pela liberdade. É isso que te guia?
É isso mesmo. Estava em uma palestra recentemente e uma pessoa se levantou e disse: “o que caracteriza você é a ousadia”. Ousadia e liberdade. Isso nasceu naturalmente, e se manifesta de diversas maneiras. Acho que a gente tem que ser livre. Liberdade para o seu próprio corpo, tanto para o homem quanto para a mulher. Sou muito ligada à vida. Não deixaria ela por nada.
Você nasceu em Salvador, no final dos anos 1930. Já existia essa liberdade na Bahia dos anos 1950 e 1960, ou você teve que cavá-la?
Tive que cavar! Se você quiser uma vida, roube-a. Mas foi com muito sacrifício e com muita dor, e com uma história estranha no meio desse grupo maravilhoso, masculino, apareci. Foi uma coisa meio solitária. Uma mulher sozinha no meio dos homens. Como dizia o Joaquim Pedro de Andrade: “Helena et les Hommes”, que era o título de um filme. Estava sempre com homens, era a minha turma. O Cinema Novo sempre foi muito masculino. Tive dois casamentos muito fortes (com Glauber Rocha e Rogério Sganzerla). Tive realmente que me manter fiel a uma coisa minha mesmo. Senão ficaria: “a mulher de fulano, a mulher de ciclano”, que é a tendência. Eu tinha que ser eu mesma.
Você é considerada uma atriz-autora. Como foi a luta para conseguir conquistar esse espaço?
Foi algo natural. Eu era essa menina baiana, glamour girl, em uma sociedade profundamente machista. A Bahia tinha uma coisa muito estranha nessa época: havia uma pequena altíssima sociedade, que nem se ligava ao Brasil, já ia direto para o Café Society internacional. Mas era uma sociedade hipócrita. Como disse o Glauber: “Helena foi criada para ser mulher de ministro”, falando mal de mim. Quando conheci Glauber, achei que finalmente havia encontrado uma pessoa como eu. Tive essa impressão. Mas não havia nenhuma possibilidade de conexão sexual entre nós. Nessa época, não sabíamos nada sobre sexo. Nunca tive um orgasmo com Glauber.
Você chegou a trabalhar como modelo?
Não, nunca fui modelo. Era uma menina que foi descoberta, quando caiu na visão dessas pessoas que mandavam em Salvador. E me convidaram para ser glamour girl. Era uma coisa fechadíssima. Era um momento cultural bastante ativo, inclusive o filósofo Jean Paul Sartre estava lá. Era um outro mundo. Em seguida, me matriculei na Faculdade de Direito e segui minha vida escolar. E aí me convidaram para ser candidata à Miss Bahia, mas isso eu já não gostei muito. Foi quando conheci Glauber e começamos a namorar.
Como você definiria sua filosofia de vida?
Amar, amar, amar.
Integram o elenco do Filme ALEGRIA É A PROVA DOS NOVE:
NEY MATOGROSSO
THAIS DE ALMEIDA PRADO
BARBARA VIDA
MICHELE MATALON
DJIN SGANZERLA
ANDRÉ GUERREIRO LOPES
NEGRO LÉO
MÁRIO BORTOLOTTO
DAN NAKAGAWA
FRANSÉRGIO ARAÚJO
LORENA DA SILVA
DANI OHM
JULIA KATHARINE