Os lábios plasmados em rubi tragavam mais que a fumaça do cigarro. Pareciam tragar os últimos momentos de realidade, antes do chamado de André. Papel de Júlia começa desfilando possibilidades. A cogitação de que o casal já se conhecia surge em determinados momentos, no entanto, a forma como os papéis são desempenhados demonstra que a trama envolve mais elementos simbólicos do que podemos visualizar na tela. Letícia torna-se Júlia. E a encarnação desse papel traz consigo certo pesar, certo desejo de contestação. Letícia precisa se anular, se despir de si, retirar seu batom rubi, para se encaixar na fantasia de André e seu vestido perolado.
O portal para uma fenda no tempo é aberto quando a aliança enlaça o dedo de Letícia/Júlia. Talvez não venha a ser uma fenda no tempo, mas apenas uma fantasia nunca concretizada com uma Júlia morta, desaparecida, presente, ou mesmo de bruma.
Letícia se entrega finalmente a este universo que parece não ser de todo desconhecido por ela. Durante a volta, no carro, Letícia já indica seu desconforto, como se o retorno para a realidade fosse penoso. A chegada à rua fecha o ciclo. André agradece à Letícia pelo serviço prestado, como se tratasse de uma necessidade corriqueira, trivial. Sua fala (“Qual seu nome mesmo?”) traz para a cena um clima até então inexistente de leveza e naturalidade, o que não infere, necessariamente, sinceridade.
Letícia se senta no chão e acende o cigarro. Novamente junto com o trago, a personagem suga sua realidade e retoma seu papel de Letícia. Seu riso nervoso deixa escapar uma dualidade entre a atração pela desfiguração de si e de seu mundo e a negação da sua identidade. O curta deixa no ar uma sensação de leveza, porém não “des-tensa”.
Papel de Júlia traz à tona questões importantes, dentro das perspectivas pós-modernas de fluidez e não-pertencimento, que tangem a nossa existência e a forma com que lidamos com nossos desejos e as possibilidades de transmutação. Negociações difíceis que exigem momentos de reflexão, sugeridos nas sutilezas do curta de Helton Okada.
O portal para uma fenda no tempo é aberto quando a aliança enlaça o dedo de Letícia/Júlia. Talvez não venha a ser uma fenda no tempo, mas apenas uma fantasia nunca concretizada com uma Júlia morta, desaparecida, presente, ou mesmo de bruma.
Letícia se entrega finalmente a este universo que parece não ser de todo desconhecido por ela. Durante a volta, no carro, Letícia já indica seu desconforto, como se o retorno para a realidade fosse penoso. A chegada à rua fecha o ciclo. André agradece à Letícia pelo serviço prestado, como se tratasse de uma necessidade corriqueira, trivial. Sua fala (“Qual seu nome mesmo?”) traz para a cena um clima até então inexistente de leveza e naturalidade, o que não infere, necessariamente, sinceridade.
Letícia se senta no chão e acende o cigarro. Novamente junto com o trago, a personagem suga sua realidade e retoma seu papel de Letícia. Seu riso nervoso deixa escapar uma dualidade entre a atração pela desfiguração de si e de seu mundo e a negação da sua identidade. O curta deixa no ar uma sensação de leveza, porém não “des-tensa”.
Papel de Júlia traz à tona questões importantes, dentro das perspectivas pós-modernas de fluidez e não-pertencimento, que tangem a nossa existência e a forma com que lidamos com nossos desejos e as possibilidades de transmutação. Negociações difíceis que exigem momentos de reflexão, sugeridos nas sutilezas do curta de Helton Okada.
Raquel Lara Rezende