terça-feira, 28 de outubro de 2008

Quando Corpo e Vídeo, Tempo Real e Editado Trabalham Juntos


De "A Adormecida que Mordeu a Maçã Verde e Não Colocou o Dedo na Roca"



Territórios Recombinantes
postado por Paloma Oliveira

Thaís de Almeida Prado nasceu em Belo Horizonte (MG), mas foi criada em Curitiba e em SP, onde vive. Estudou teatro, dança moderna, cinema e fotografia. Formada em direção teatral pela ECA/USP, estagiou na França por um mês com o Théâtre du Radeau, onde participou do Festival de Thêàtre d’Avignon como assistente de producão do espetáculo “Vocal Masala”, de Mathilde Lechat; acompanhou o Festival “États généraux du Film Documentaire de Lussas
Em 2002 entrou para a Cia Auto-Retrato de dança-teatro. Seus trabalhos permeiam a interdisciplinaridade na arte se utilizando das linguagens artes visuais / cinema, teatro, dança para expressar cada trabalho de uma maneira singular. Sem a preocupação de se rotular e definir um único caminho (aliás, muito ao contrário), Thaís é performer, atriz, diretora, roteirista, videoartista, escritora, poeta… ninguém imagina que ela, tão pequenina, com um nome tão grande possa ser tão versátil assim, mas é.
Uma das pessoas que viu essa multifaceta foi Peter Greenaway que abarcou o projeto de Thais A Adormecida que Mordeu a Maça verde e não Colocou o Dedo na Roca à sua exposição no 16o vídeobrasil em 2007.
Essa intervenção concentida transformou a exposição de Greenaway em um lugar vivo, não apenas de obras soltas, mas matéria orgânica e vibracional. Não que todas as exposições devam ter um performer, mas o bom uso de diferentes formas de expressão criativa (assim como o trabalho do próprio Greenaway) transformaram o vulgar em a algo mais… um pouco sobre o projeto nas palavras da própria Thais:
O projeto era dentro da Exposição Tulse Luper Suitcase, do Peter Greenaway.
Fui convidada, ou melhor, me convidei a estar na abertura da exposição dentro de uma das malas expostas (uma mala para Harpas. número 40). Teria que dormir. Então fiz uma contraproposta, “dormiria” na mala, mas escreveria minhas experiências e minhas relações com o espaço e deixaria à mostra este diário de notas para o público. A performance era a minha própria escrita em movimento. Inventava histórias, confundia com textos de alguns autores que gosto, com fragmentos dos filmes do Greenaway etc.
Resolvi que iria todos os dias e ficaria pelo menos 1h. criei um jogo de obstáculos para mim. Dormir não era bem dormir. Estava num estado dormente, onde realidade e sonho se confundiam. Deitava na mala, mas escutava tudo e todos, muitas informações e muito material para criação. quando não estava na mala, estava pelo espaço. Parada muitas vezes em estado de contemplação. contemplava os outros.
Eu era como uma imagem, como um objeto vivo no meio do espaço, daquele espaço que tinha o “morto” e o museológico bem presentes. Era uma natureza morta, porém com vida.
Minhas ações eram mínimas, mas perceptíveis. Respirava, chorava, sorria. Brincava com o gelo que derretia em uma outra mala, olhava no olho de alguém durante horas. A Busca era estar “presente” e ser notada sem ser o foco; ser notada sem ser um evento. era simplesmente eu. de camisola branca. Muitas vezes eu não estava lá no espaço, mas a presença ficava. o Livro permanecia, as pessoas me procuravam.
Havia um mistério em se procurar essa mulher que nem sempre estava. quem era, o que pensava… etc
Através da minha escrita me comuniquei com o público… eles começaram a me escrever cartas em resposta. Foi um processo muito intenso e ao mesmo tempo delicado. Passei um mês sem querer sair e fazer outras coisas. me confinei de uma maneira boa. à moda da Sophie Calle (uma artista francesa, que esse ano tá na Bienal de Veneza)
O tema se tornou a Espera. a constância. o mínimo como máximo.
a maçã verde que mordi e que ficava ao lado de minha mala apodreceu com o tempo. ela era o meu tempo naquele momento.
e talvez eu fosse ela
Uma pequena entrevista cedida por Thais ao TR…

NOVAS INQUIETAÇOES
Nos dois últimos trabalhos, eu pesquisava a relação do performer com o espaço (uma instalação multimídia) e com o público. Foi assim em “…Mas Não” e “A Adormecida que Mordeu a Maça verde e não Colocou o Dedo na Roca”, este ultimo foi feito em parceria à exposição Tulse Luper Suitcases, do Peter Greenaway.
No novo trabalho que estou desenvolvendo com o CORROSIVO coletivo, a pesquisa anterior permance, e trabalhamos com uma parte de video documental entrevistando quem já conviveu com o ambiente da Casa das Caldeiras, ainda estamos em fase de criação, mas pretendemos fazer uma instalação cênica. O tema é a Transitoriedade.
Nos trabalhos que faço percebo que a questão da memória e temporalidade são bem fortes, mesmo que não parta de nenhuma destas questões, de alguma maneira acabo chegando a isso.

ESTETICA E PLASTICIDADE
Normalmente parto de uma pesquisa de linguagem que me inspire na criacão estética, e que se relacione com o tema já escolhido, ou vice e versa. Pra mim é sempre importante ter a questão da pesquisa de linguagem, de adentrar lugares desconhecidos e um tema que me cause “formigamentos”, porque senão parece que falta alguma coisa…
Mas isto é um gosto pessoal.
Não busco uma única linguagem nas artes, acabo sempre indo para a interdiciplinariedade. Acho que a estética que busco, se assim podemos, é a fusão das diversas linguagens artisticas. Na verdade isso não é consiente, vem com cada projeto, ele mesmo acaba me levando a seguir um caminho ou outro. Vai depender de qual for a melhor maneira de me expressar com ele.


O CENARIO NACIONAL
Acho que esta interdiciplinariedade que falei acima está muito presente no trabalho da maioria dos artistas.
Mas é engraçado que ao mesmo tempo que buscamos esta fusão e a não classificação de algum trabalho (se é dança, teatro, cinema, videoarte), sempre existe uma classificação, ou alguém pedindo que nos classifiquemos. Só uma divagação sobre a mania que o ser humano tem em colocar nome nas coisas… mas sei que o buraco é mais embaixo.
Acho que eu não consigo dar uma resposta fechada sobre como vejo a cena atual. tenho visto muita performance, dança, cinema ficção e documentário, videoarte, teatro documental… realmente nesses ultimos meses fui bonbardeada de informacãoes e eu preciso deixar a poeira baixar…
APRENDIZADOS E PESPECTIVAS
O processo de criação está sempre muito relacionado aos momentos de vida. Essa troca entre vida que alimenta arte e arte que alimenta a vida, é um dos grandes aprendizados…
Perspectivas são continuar me arriscando, mesmo que dê algo “errado”.
REFERENCIAS
Tenho uma lista que me influencia muito e que sempre retorna na minha “cabeceira”… Hilda Hilst, Sophie Calle, Peter Greenaway, Rogério Sganzerla, Mario Peixoto, Helio Oiticica, Marina Abramovic, David Lynch, Maguy Marin, Beckett, Pina Baush, Jan Fabre, Francis Bacon (o artista plástico), Nietzsche, Sartre, Heiner Muller, Clarice Linspector (o Água Viva principalmente), o casal Matthew Barney e Bjork, Radiohead, de música tem muita coisa também…
enfim, acho que o que mais me atrai neles é que existe uma radicalidade e um risco muito forte. Eles quebram com padrões da arte, mas não pelo simples fato de quebrar, pelo fato de não se satisfazerem com o que já têm. Não sei se dá pra entender…
Acho que eles se arriscam sem medo, claro que ultimamente tem alguns que não andam se arrisando muito, mas…
Existe uma loucura neles, e existe um sarcasmo…
Sem dúvida eu sou influenciada por eles, escolhi eles porque vejo uma afinidade muito forte.
Em alguns trabalhos parti de estudos da obra de alguns artistas como no caso da Hilda Hilst, do Peter Greenaway, do Sartre, e da Sophie Calle, mas na maioria das vezes estes artistas são minhas referências indiretas, eles na verdade me inspiram para a vida.